O Mundo aos olhos de uma menina de 30

Tapas de luz

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“Poderíamos ser bem melhores, se não quiséssemos ser tão bons.” Essa frase não é minha, é de um carinha até famoso, psicanalista dos bons e, da minha ótica, um fodarástico chamado Freud. Li isso em algum lugar ainda na minha adolescência e a frase sempre ecoava na minha cabeça. Encontro-a manuscrita em livros e agendas antigas sempre que organizo a minha pequena coleção, que um dia será uma extensa biblioteca, acreditem!

Pastas com documentos importantes dividem o espaço com pedaços soltos de um papel qualquer, amarelado pelo tempo, onde consigo reler a tal frase. Hoje, a noite está chuvosa, convidando o corpo a se recolher mais cedo no conforto do quarto e intimando a alma a se alimentar de uma boa leitura. Eu, obediente que sou quando o assunto são os livros, não perdi tempo.

Banho tomado, casa silenciosa, só o barulho da chuva e do vento que dançam harmoniosamente sem alarde. Acompanho a coreografia pela minha janela, enquanto penteio os cabelos ainda molhados. Dessa vez não usarei o secador. É uma estratégia para ganhar tempo, enquanto eles secam lenta e naturalmente me deleito com a obra que escolhi para ser minha companhia e alimento nesta noite.

É um clássico do Graciliano Ramos, Angústia. Ao abrir o livro que ganhei já faz algum tempo, em 2005 pra ser mais exata, na primeira página, escrito com caneta cor de rosa e em letras de forma garrafais, a frase do tal Freud. O plano de ler e relaxar foi por água a baixo. Abortei a leitura na primeira página, ou melhor, na anotação. Percebi, que hoje entendo o que quer dizer. ‘Poderíamos ser bem melhores se não quiséssemos ser tão bons’ e resolvi escrever, partilhar. Afinal, tem coisas que só saem da gente por escrito.

Não pesquisei o que o psicanalista famoso em questão quis dizer, não que eu não tenha interesse, longe disso, o fato é que nesta fase da minha vida eu não preciso saber o que ele pensa. Eu entendi ao meu modo e me vi protagonista, recebi um tapa na cara e luz. A partir de hoje não vou me cobrar tanto. Vou aprendendo pelo caminho. Não preciso estar cem por cento pronta pra começar a realizar sonhos, executar projetos. Não estarei cem por cento pronta nunca!

Eu posso ir muito além de onde estou, se der um passo de cada vez, mesmo tendo ciência de que ainda não está totalmente bom, mais pode e vai melhorar… Quanta coisa eu adiei por medo, por achar que não daria conta, que não estou pronta. A aula de dança, os pães de mel, o projeto social, a investida no carinha que faz as minhas pernas tremerem e o coração acelerar, a mudança de emprego, o desapego.

Uma extensa lista de possibilidades que serão testadas uma a uma a partir de agora. O céu é o limite e eu finalmente entendi que já sou boa o suficiente pra irradiar luz e brilhar. Você também já é bom. Vem!

 

Millane Martinelli

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